domingo, 27 de maio de 2012

Triste Final Feliz

A lua cheia emitia seu brilho.
No piso,
Estendia-se o reflexo negro
Quase a alcançar-lhe os pés,
Alí, na madrugada, às duas e dez.

As cortinas
Não podiam fecharem-se sozinhas
E faltava-lhe força para levantar-se,
Havia já certo tempo
Que desistira, inocente,
Dos poderes da mente.

O cenho sisudo
Parecia arrependido.

"Como aquilo havia acontecido?"

Aquela pergunta não a abandonava,
O medo ditava tudo o que pensava.

Num espelho manchado de sangue,
Aqueles olhos enfurecidos,
Adiante,
Pareciam totalmente estranhos.
Manchas também nos cabelos castanhos.

Durante anos amou o corpo estendido.
Seu coração, pertencia ao bandido
Que um dia roubara-lhe toda a paz.

O corte, fundo demais,
Quase partiu ao meio
O seu belo seio.

O pedaço
Do dedão esquerdo
Do seu belo pé,
Ainda preso,
Doia muito quando tocava o rodapé.

Aquelas tristes memórias
A açoitavam fortemente.
Os dias de tristezas e glórias...
Dois amantes febris, inocentes...

Só agora ela via
O terrível monstro
Que os assombrava.
A falta de alegria,
Destruidora de planos,
Ela mesma a provocara.

O pobre infeliz,
Agora imóvel,
No chão,
Como ela sempre quis,
Era óbvio,
Nunca mais diria "não".

Lembrava-se de como ele era imbecil.
Era calmo, atencioso, prestativo, infantil...
Apenas mais um corno em potencial.

Aquele sorriso impróprio e estúpido
Davam-lhe a imagem de um corrupto.

Pensava que não tinha um rival...

E novamente a dor insuportável
Fazia-lhe sentir-se inconfortável.

As estúpidas declarações de amor
Provocavam nela apenas pura aversão.
Ele era ótimo em lidar com a dor,
Mas não era mais que uma diversão.

Uma mosca sentou no osso exposto do seu dedão.

Tavez ela nunca tenha amado-o.
Sentia-se muito bem ao seu lado,
Mas, algo nele a incomodava.
A sua eterna felicidade
Era o que mais a irritava,
Isto sabia que era verdade.

Cada sorriso por ele emitido
Despertava nela um ódio desmedido.

Como ele era idiota.
Será que aprovou também,
Como comigo, com outro alguém,
O saboroso gosto da derrota?

E outras pequeninas Moscas
Sentavam nos ossos à mostra.

Pequenos pontinhos brilhantes
Tomavam todo o seu campo visual.
As poças sanguíneas coagulates
De ambos uniam-se pelo chão.
Ela estava muito mal.
Sentia dormência nos dedos da mão.

O instinto vivo de sobrevivência
Mostrou nele toda a sua essência
Nos seus últimos segundos de vida.
Depois de uma vida de pacifismo
Ele largou de mão todo o moralismo
E reagiu contra a sua investida.
Pena ser já tão tarde,
A lâmina já penetralha-lhe a carne.
Nos seus últimos segundos
Revidou, em talhes mais profundos.

Mas ela, muito esperta,
Sabia que, para ele, a morte era certa.
Escolheu cuidadosamente o local
Onde desferiria o seu golpe fatal.

Era para parecer acidental...
Rompeu-lhe apenas a artéria femural,
No meio do seu último beijo,
Queria-o morto, não com um aleijo.

O pior foi ele ter percebido.
Era para ela ter fugido
Enquanto parecia um acidente.

Mas ele foi-lhe um passo á frente.

Agarrou-a por um braço,
Num pequeno espaço de tempo,
Firme como um laço num touro,
Tomou-lhe a causa do ferimento
E tencionava arrancar-lhe o couro.

A mesa de mámore, até alí de pé,
Caiu-lhes sobre os pés
Decepando o dedão do pé da mulher.

Com a última investida
que o troxe algum efeito
Abriu nela aquela ferida
Que partiu-lhe o peito.

Ela apenas havia realizado
O mais antigo sonho do finado:
Deixar de existir.
Ele é que nunca teve a coragem
De realizar o seu desejo selvagem
De partir.
Ele era retardado, depressivo e,
Ainda sim, vivia a sorrir.

E as moscas já cobriam-lhes inteiros
Como trabalhadores matinais da Morte.
Ela também não teve tanta sorte,
seus ferimentos matá-la-iam, ligeiros.

E ela sentiu-se feliz
Como antes de conhecê-lo.
No amor, ele era apenas aprendiz.
Ela apaixonou-se por todo aquele zelo.

Sentiu algo ruim por dentro.
Ainda não era a morte,
Já havia sentido-a bem forte
Em algum outro momento.

Era a angústia do arrependimento.

As dores, antes insuportáveis,
Agora pareciam amáveis,
Como uma espécie de alento.

O sol ia-se já entrando pela janela.
Ela sequer havia percebido
Que o astro revelador havia nascido.
Duas pessoas já olhavam para ela.

Mas ela estava surda, catatônica,
Sequer podia ouvir gritos de fora,
Não sabia por que gritavam: -Mônica!
Não queria passar daquela hora.

Num surto de loucura,
Agarrou-se no dedo
Que ainda estava preso.

Aquilo não tinha cura.

Pôs-se furiosamente a puxá-lo
Até finalmente arrancá-lo
Do se seu corpo mutilado.

Ouviu uma forte pancada
Na porta trancada,
Logo ao seu lado.

Enquanto os seus vizinhos
Deitavam abaixo a sua porta
Ela, com a faca, prevenindo-se,
Garantiu que estaria bem morta.

Num rápido movimento previsto
Tomou a faca da mão do amado
E degolou-se, de lado a lado,
Como nunca ninguém havia visto.

...

Ao depararem-se com o caos
Do lado de dentro da casa,
Num tom todo original
Alguém gritou à todos na praça:

Olha o que o Rafael fez,
Matou a ambos de uma só vez!

E todos amaldiçoaram o pobre diabo,
Afinal,
Boato é a única coisa banal
Bem vendido, mesmo sendo fiado.

Humanos

Sempre inperfeito é o homem,
Há sempre defeito em nós.
Vivemos insatisfeitos e sós,
Praguejando e dizendo: amém.

Às vezes fazemos um bem mal,
Outras vezes, um mal bem.
Cada um vive como lhe convém:
É forte, bom, oportunista, banal...

Somos a praga da caixa,
De pandora ou do juízo final.
Forte estrutura viva e social,
Que hora quebra, ora encaixa.

Desvendamos como cada cor
Comporta-se nesta galáxia
E somos, na medida máxima,
Uma rosa coberta com cocô.