sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A Bela e a Rosa

Curvada,
A bela rosa contemplava
Os belos lábios a tocá-la.

Seu perfume
Roubava-a, despertando ciúme
Nos que veneram seu lume.

Doce mistério,
Estes pensamentos quiméricos
Percorrendo a mente atrás do brilho.

E eu, a contemplar
A beleza da rosa a murchar
Vendo a outra a desabrochar.

Seriam as rosas invejosas?
Outro mistério a sondar...

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

No Templo dos Sentimentos

Que belo dia para passear! -
Disse o Tédio para a Dor.

Vamos passear entre os humanos! -
Gritou de longe o Terror.

O Terror só vai para os fracos -
Disse o Tédio, meio cismado.

Os imbecis são uma ótima idéia! -
Disse a Dor, que não havia se mostrado.

Sempre a favor de tudo, esta mocréia -
Disse o Tédio, ainda cismado.

Ela e a esperança só andam com o derrotado -
Acrecenta ainda o Terror.

Será que poderemos convidar a Razão?
Ela prefere o solitário e o vencedor -
Novamente, o Tédio levanta a questão -
Poderíamos chamar o Amor também -
Continuou, mesmo sem perceber.

Ele sempre ignora a Razão, vai correr -
Disse a Dor, que o conhecia muito bem -
Sem falar que a Loucura é sua irmã de criação.

O Tédio olhou, como a perguntar: "Falta quem?"

Não falta alguém, podemos ir agora? -
Disse ele, após longo tempo.

A Razão, como sempre, demora -
Disse o Terror, exagerando um tanto -
Não vê que é quase aurora!

Aí vem, mas, quem será que está com ela? -
Perguntou o Tédio, como a toda hora.

É a Confiança, seu imbecil!

Que ingrediente falta nesta panela? -
E o perguntador quase chora.

Ficar perto da Dor é que é difícil!
O Terror sempre está na minha frente,
Mas a Dor é difícil de suportar -
Disse a Confiança, olhando de longe.

Se ela ficar, ninguém irá -
Ponderou a Razão -
Ela foi a primeira a ser convidada.

Então, vão o Amor e a Loucura também -
Disse a Dor, presente em toda discussão.

A Dor sempre piora as coisas. E o Desdém? -
Perguntou o Tédio, para variar.

Bem, a Dor sempre me convida,
Junto com o Tédio, para passear.
Mas a Esperança, ao ver-me, foge na certa -
Advertiu a Razão, com a Confiança a seu lado.

Aí, foi uma confusão completa.

Só podia ter sido idéia do Tédio, esse frustrado -
Exclamou a Dor, para desistirem da meta.

A Razão foi a primeira a despedir-se,
Com a Confiança sempre ao seu lado.
Sequer esperou a Esperança acalmar-lhes,
Mas, vendo o Amor e a Loucura, ficaram parados.
O Desdém vinha logo atrás, a seguir-lhes.

Há um lugar que quero que vocês conheçam -
Disse o Amor, ao chegar, em atitude indiscreta -
O lugar onde todas as nossas vidas começam,
A ilimitada mente de um poeta.

Está maluco? Eu é que não volto para lá -
Disse o Tédio, muito assustado -
Ele sempre tem papel e caneta para me expulsar.

E outro caos foi iniciado.

E, quanto a um filósofo, um pensador? -
Soou distante a voz da Razão.

E, foi logo gritando a Dor:
Nem ele, nem o inconsequente, definitivamente não!

O Terror, seu amigo, logo concordou:
É verdade, não dão a mínima atenção a nós!

Então, agora, o que restou? -
Pergunta o Tédio, que, só na paz, levanta a voz.

Poupem-me da maioria, os comuns são muito estúpidos -
Falou a Razão, muito desdenhosa.

Pessoal, para que conflitos? -
Interrompe o Amor, em voz manhosa...

Até que tanto durou a discussão,
Que realmente chegou a aurora,
E, vendo impossível tal excussão,
Cada qual tomou seu rumo e foi para fora.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O Valor de um Irmão

Muitas pessoas não sabem,
Muitos sabemos muito bem --
Motivo desta explicação --
Como é, deveras, ter um irmão.

Com certeza você vai odiar,
Como a tudo feito para incomodar,
Ter de dividir o amor e a atenção
E todo o mundo que conhecemos até então.

E aprendemos a dividir desta forma
Na delicadeza brutal da natureza que molda.

Logo cedo aprende-se o poder da barganha:
Quem a tudo sempre compartilha, nada ganha.

Também vemos até onde confiar em alguém:
É na pura realidade que irmão vivem.

Depois de eternos e estúpidos conflitos
Ambos tornam-se um, fixamente unidos.
E tudo isso vai, e tudo isso volta...
Ódio, amor, inconsequência, revolta...
Como o ciclo das estacões de um ano.
Atração e repulsa no mesmo caldo isano.

Daí vem o tempo e o contar dos dias,
Com suas inúmeras navalhas duras e frias,
Por distância entre o que antes era um,
E tornar raro tudo o que antes era comum.
A redoma de ódio e revolta então estoura.
Só a ausência tem vida saudável e duradoura.

Então, vem a saudade,
Com seu duro alicate,
Apertar nosso coração...
Uma vida, é o valor de um irmão.

sábado, 24 de dezembro de 2011

A Bela e a Janela

Deitada, ela abriu aquela janela,
Que mostrava este nosso mundo
Que já foi, mas que lá ainda era.

Sob as linhas, o olhar profundo
Vivia uma vida vivida lá, na mente,
Um novo pensar a cada segundo.

Surpreendentemente,
Alí, descobria,
Que sempre podia,
Toda hora ou dia,
Passear pela janela infinita,
Pela imensa janela da vida
E lá, nunca estaria só:

Estava totalmente rodeada
De várias outras vidas em pó.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Algumas Verdades

O viver é somente um ponto de vista.
Sentimento é um instinto socializado.
A derrota caminha ao lado da conquista.
A verdade: ilusão do todo, mundo sonhado.

Os bons ajudam para saciar um vício:
Serem bons, quando dá ou lembram.
Os maus controlam o desperdício
Fazendo o que seus deuses mandam.

Morrer é retornar para de onde se veio,
Voltar às entranhas da mãe natureza.
No fim de tudo, não há nada de feio.
A vida e a morte é uma única certeza.

Coisas que Devo Fazer

Perder o medo;
Dizer que a amo;
Ser bom com as pessoas...
Com uma mente que dela mesma caçoa?

Ter atenção, concentracão,
Praticidade, o corpo são,
Velocidade, manter o equilíbrio...
O que foi construído, deve ser destruído?

Estudar, dormir, acordar,
Sorrir, iludir-se, sonhar...
Nenhum tempo para pensar
E menos ainda para executar.

Controlar a mente...
Conhecer o corpo...
Isso soa distante.
Será que estou ficando louco?

Bem melhor é aproveitar o presente,
Desta forma eu nunca me distraio.
Se não tento ver além do horizonte
Vejo as pedras do caminho, assim, não caio.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Infinidade

Onde começa  um caminho infinito?
Onde demos o primeiro passo?
Quando começamos a viver?
Saberemos vivos ou quando morrer?

Antes do primeiro passo dado
Já estávamos a caminhar?
Tudo está em movimento ou parado?
Depois do úlimo passo, ainda vamos andar?

Quem foi o primeiro a questionar-se?
Qual foi a primeira questão?
Como a vida simplesmente nasce?
Existe criador, criatura, destruição?

Tantas perguntas sem respostas.
Tantas pessoas perguntando,
Outros dando as costas
A um questionador passando.
Será que a verdade está chegando?

O Belo e o Feio

Ah, o belo e o feio!
Fáceis de observar,
Difíceis de separar,
E há quem julgue sem receio...

O mais sublime perfume
E delicadeza de uma flor,
Alimentam-se do fedor
Nauseabundante do estrume...

Toda busca à sublime
Essência do puro amor
Vem da solidão, terror.
Não há paixão que não o ensine.

Qual será o criador,
É o bom ou o mal,
Se a doença letal
Ele mesmo criou?

Belo e feio, difíceis de separar.
Apenas os tolos podem julgar,
Não sabem o que é raciocinar.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Mais que Uma Palavra

Já amei a tudo outrora:
A vida, a noite, a aurora,
Algo sério, a sorrir...

Aí, fui crescendo,
Aos poucos ficando humano.
Quando criança, sabia sentir.

Sabia amar, mesmo o feio,
Minha vontade não tinha freio,
Nem eu temia a realidade.

Sucumbia a qualquer beleza,
Maravilhava-me a natureza,
Mal conhecia a vaidade.

Confiava em pessoas
E coisas que julgava boas.
Ainda lembro, sabia amar.

Sentimento era mais que palavra.
Minha amante não era escrava.
Então cresci, só resta lamentar.

Um Ser Que Ama Quimeras

Enquanto poetas amam,
Cuidam e idolatram
As suas belas musas,
Espertos tiram suas blusas.

Enquanto poesias,
Quentes, duras ou frias,
Prenchem o palpel,
O ser amado
Cai do céu,
Acompanhado.

Quando todo o carinho
Cai na terra sozinho,
Falsa semente de amor,
Faz brotar mais uma dor.

A única forma real
De um amor nascer
É plantar algum mal
E esperar para colher.

Amor verdadeiro,
Não um sonho ligeiro,
Nasce apenas do perdão
Do conquistado coração.

Assim, evoluímos:
Pouco a pouco, a cada dia,
Nos vamos reprimindo
Por amar uma musa fria.

Por que devemos maltratar
O ser que desejamos amar?

Sei-lá, são as regras do jogo,
Perder, novamente, é fogo!

O melhor é parar de jogar

Isso é um poeta, deveras,
Um ser que ama quimeras.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Soneto Para uma Prostituta

Estar em seus braços vivifica-me,
Realizo todas as minhas fantasias.
Viver, sem você, é estar em ruínas.
A tua presença é que me fortalece.

Conforto é tudo o que me trazes
Ao percorrer todo o meu corpo,
Num mundo infantil, muito louco,
A deriva nos seus próprios males.

Beijo-te suavemente, sentindo-a
Inflamar a minha mente alucinada.
Sucumbo completamente a este prazer.

Tens sido vítima de várias calúnias,
Homens que tratam-na como as outras.
Coitados, não podem ver, estão a perder.

Não Sei

O que seria ser bom?
Não fazer mal a outro?
Agir apenas como um louco?
Seria apenas um dom?

É previlégio de poucos?
Dos que só veem os seus?
Ou dos que ficam roucos,
Pregando a palavra de Deus?

Seria não amar a própria vida?
Fazer seu espírito perecer
Buscando um egoísta não ser?
Apenas esperar a hora da partida?

Matar a todos os seres humanos,
Libertar esta nobre natureza?
Se alguém aí tiver bons planos,
Acho a idéia uma beleza!

Sem dúvida, ser bom é ser nobre.
Então, juntarei bastente dinheiro -
Serei Deus, neste mundo inteiro,
E chamarei o Diabo de pobre!

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Humanos Reflexivos

Somos apenas espelhos turvos:

Sempre refletimos,
Um tanto desfocados,
O olhar dos outros;

Os mais diferentes
São os que mais se veem;

Os mais parecidos
Parecem apenas um;

E apenas os mais despedaçados
Estão mais firmemente unidos,
Depois é impossível separá-los.

Espírito da Vida




Um dia, estava a imaginar sozinho:
"Por que o homem julga-se superior?"
Trilhei em palavras longo caminho
Para, enfim, estes versos compor.

Desde já peço desculpas a quem
Nenhuma beleza aqui encontrar,
Inspiro-me no bicho homem,
O que você poderia esperar?

Frágil e triste criatura nojenta,
Pensas que tudo cabe na mão.
O que a tua vida aqui representa
É pura capacidade de destruição.

Bizarra criatura estúpida e fraca,
Veja só o que propicia-te viver:
Para comer, tens de matar à faca
E isso, nunca arrepende-se ao fazer.

Para ter abrigo, não é diferente,
Novamente tens que destruir.
Até há quem o faça ciente,
Mas, é necessário construir.

Cavas fundo atrás de dinheiro
Para jogá-lo depois na natureza.
Jogas lixo e excrementos no rio,
Cobres de merda toda a beleza.

Todos, sem exeção, são culpados,
Não tenhas dúvidas nesta questão.
Desde os que são escravisados,
Por trás de mesas ou um balcão.
E os paralisados com medo.
E os espertos e picaretas.
Se existem imbecis no comando,
Culpado é quem baixa a cabeça.

Terror, poluição... destruição,
É apenas isso que buscas: a guerra!
Se apenas este é o poder da tua mão
Escolham o inferno ou o céu e vão,
Libertem a terra!

sábado, 26 de novembro de 2011

A Humanidade

Sejamos sinceros:
A humanidade,
Hoje,
É um mero
Aglomerado
De loucos.
Não são poucos
Os imbecis
Que, com leis infantis,
Tentam
Realizar aqueles sonhos
Que guiam
Os seus pesadelos medonhos
Quando estão acordados.
Ser humano é complicado!

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Sem Coleira

O cão sem dono
Saia na hora do sono
Tentando encontrar
O seu devido lugar
Em algum jardim.

Quase no fim
Pensou consigo:
Quero um amigo
Que seja verdadeiro,
Buscarei no mundo inteiro!

Traiçoeiros caminhos
Percorridos, sozinho
Ele os enfrentou.
Num deles, parou.
Olhou para trás.

Pensou: Não dá mais!
Tanto faz, como tanto fez,
Talvez não fosse a vez,
Não via onde parar.
O que vou alcançar?

I

Já quase a desitir,
A força a esvair,
Viu-se, então,
Numa coleira com brasão,
Que friamente dizia:

"Acabou a folia!"

Palavras estranhas.
Olhou as montanhas,
Não podia alcançá-las.
Agora, carregava malas.

"Cala-te agora,
Cão sem senhora,
Sou eu o seu patrão,
Guarde o meu coração,
É o mais puro e frágil!"

E o cão, muito ágil,
Partiu para a labuta.
Mulher ou puta,
Ela agora o domava.
E ele gostava.

Estava, novamente,
Feliz e sorridente.
Agora havia alguém
Que queria-lhe bem...
Foi o que pensou.

O destino chegou,
Ele pôs-se em guarda,
Levantou a cauda
E latiu bem, não latente,
Contra o perigo iminente.

Contente pelo trabalho -
Era bom quebra galho -,
Viu-se capaz de ajudar.
Mas, pôde julgar,
Não fora valorizado.

Sentiu-se cansado
E parou por curiosidade,
Pensando ter liberdade,
E logo sentiu um solavanco
Da prisão, seu colar branco.

No entanto, estava feliz,
Era o que ele sempre quis.
Já não era cão sem dono,
Protegia agora algum sono.
Mesmo perdendo o seu.

O medo na mente morreu.
Fazia tudo o que ela pedia,
Dia quente ou noite fria,
Realizava a sua função.
Até que então...

Não entendeu aquilo.
Estava feliz e tranquilo
Até apanhar sem culpa.
A dona tomou até multa
Pelos maltratos ao bicho.

II

Foi jogado no lixo,
Sem coleira ou corrente,
Só a liberdade pungente
Agora estava lá.
Era a hora de retornar.

Seu lar, abandonado,
Estava em tal estado
Que foi preciso abrir
Caminho para subir
Até a alta entrada.

Sem dono, um nada,
A barriga inchada
Da falta de alimento,
O cão, neste momento,
Pensou na outra vida.

Esquecidas as dores,
Viu novos jardins e flores
E, desta vez, ao menos,
Sentiu-se pleno.
Pensou não precisar amar.

III

Um dia, a caminhar,
Resolveu amar a tudo.
Perturbou seu lado mudo
Até poder ouví-lo,
Cansado de apenas sentí-lo.

Ao ver um mudo gritar
Pôs-se, então a pensar:
Tudo é possível,
Como é incrível,
Bastava apenas amar.

E parou de duvidar
Sobre sobre a sua dívida.
Não teve uma idéia lívida.
Ele devia amar o mundo,
Não um coração vagabundo.

No fundo, esta idéia,
Protegida como colméia,
Sempre estave lá,
Difícil era acreditar.

Agora, ainda sem dono
Ou sem velar algum sono,
Este cão vive feliz,
Com a liberdade que quis.
Ama as flores, folhas, madeira...

Só sente falta da coleira.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A Sonhada Paz

Estou perdido, não aguento mais lutar,
Deixarei a correnteza traiçoeira me levar.
O ar devagar me queima os pulmões;
O mal e o desejo de extinção são leões.

Numa vida pútrida de más vontades,
Dúvidas, erros, medo e meias vedades,
É realmente muito difícil de entender
O que anima as outras pessoas a viver.

Hoje, não quero ver a sonhada paz.
Hoje eu quero estar vivo, nada mais.
Agora não quero mais apenas amar,
Quero desfrutar o prazer de controlar.

Quero saciar o meu desejo possuir.
Quero sexo, drogas ou apenas sorrir.
Vou, agora, viver a vida sem freios,
Sem me importar com sonhos alheios.

Abro, aqui, mão do amor dos poetas
Que abandonam as suas frias metas
Para amar sem importar-se consigo.
Vou amar a quem quiser voar comigo.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Corpo e Mente

O vazio da triste mente,
A abandonada mente,
Mente que pensa que pensa,
E só evapora e condensa,
Vai e vem com você
Dentro dela a dizer:
Agora está tudo bem
Eu sou sua também.

Mas o corpo, frustrado,
Que até então ficou calado,
Perguntou, com toda a arte:
E cadê a minha parte?!?!

E sem ter o que responder
(Já era!), não pude conter
Aquele estranho desejo
De ter mais que um beijo.
E o meu amor decidido
Tornou-me um bandido,
Ladrão de inocências.
Tempos de decadência.

Porém agora, realmente,
Não me sinto inocente,
Menos ainda culpado,
Apenas um tanto frustrado.
Que sentimento dura,
No perigo e sem cura?
Que tipo de amor resiste
Com a distância que existe
Entre aqueles que amam
Mas não se entregam?

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Pandora e Epimeteu

O dia amanhece e traz consigo a esperança.
A esperança nos torna novamente uma criança,
Apesar dos gregos, antigos sábios de outrora,
Terem colocado-a no fundo da caixa de Pandora.

Será que a esperança é o mal mais pesado
De todo aquele mal que havia lá guardado?
A beleza ilusória da esperança de fulano
Cedo ou tarde acabará ou estará acabando.

Mas, na hora, a esperança também consola,
Como bem percebeu minha amiga Pandora,
Presenteada por Hermes com mentira e traição,
E deu a esperança a Epimeteu, seu varão.

Adão e Eva dos antigos gregos místicos,
Sua união nunca contentou aqueles críticos,
Deuses e Titãns, como era o bom Prometeu.
A mesma velha estória: mais um que se perdeu.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Direções Opostas

Seus olhos trêmulos me diziam
tudo o que eu não queria ouvir.
Bem no fundo eles refletiam
Seu estranho desejo de partir.

A dura falsidade do seu abraço
Faziam sentir-me como um cactus.
O que houve com o belo laço
Que nos atou com desejos mágicos?

Simplesmente relaxou e caiu,
Despindo-nos daquela fantasia.
A porta daquele cinema se abriu,
Fez a luz levar toda a alegria.

Perdemos toda a nossa confiança.
O ser criador, este dito deus do amor,
Não tocou para a nossa bela dança,
Nos presenteou com o silêncio e a dor.

O último beijo foi-se naquela hora,
Num passado guardado em nós.
A ocupante deste coração foi embora,
Juntos, sentíamo-nos ainda mais a sós.

Mas, o rancor não é bom souvenir,
Deixemos este sentimento estragado.
Não temos culpa por querermos ir
Na direção oposta, e não lado a lado.

Cobrirei com um manto de desdém
O belo anjo que um dia amei.
Um dia sei que te esquecerei,
Com a ajuda da pura vergonha,
Mal de todo aquele que sonha
Tão alto que sempre acorda
A todos e a sí mesmo e cora.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Amor: A Criptonita Dos Poetas (Com Leila Maria)

O poeta voa aqui e acolá,
É o super-homem no ar,
Ele busca a beleza maldita,
O amor é a sua criptonita.
Tanto prazer, tanto carinho
E no fim acaba novamente sozinho,
Deslizando por rosas com espinhos,
Que o ferem e o faz sangrar.

De onde vem a beleza de amar?
Vem do vazio distante do não ser,
Da falta do que se pode querer,
De sí mesmo, do medo da solidão.
Esse alento não pode ser ilusão.
Vem da barreira que quando transposta se desfaz;
Dos embriagados amantes que sempre querem mais;
Da força e da coragem que eu tive de viver;
Das lágrimas que desaguam em dor no renascer.
E do mundo ilusório da mente solitária,
Da falta de uma ocupação primária
Que impede o corpo de abismar-se,
Dizendo para ele jogar-se.

Meu quarto mostra a desordem do meu eu.
Quero resgatar o que era meu!
Viajo ao passado tentando encontrar
Algo meia boca que ocupe o seu lugar.
Estar em qualquer quarto sem você
É pegar pena perpétua na prisão do querer.
O seu lugar é somente aqui do meu lado,
Todo o resto é apenas uma armadilha do passado.

O vazio que transponho
Reveste em flores o meu sonho
Tudo isso por um simples motivo,
Que um dia eu volte a me sentir vivo.
E que novamente me sinta forte,
Novamente saiba onde é o norte,
E não mais andar vagando por aí,
Sem destino, só a hora de partir.

O Romantismo

Como são ridículos, os românticos.
Nunca são capazes de conhecer a quem amam.
São como barcos a remo a trevessar o atlântico
Sem bússola, vela ou motor, só dores que o inflamam.

São pedaços humanos a vagar por entre seus entes
Sem nunca conhecê-los, nem mesmo sem querer.
Vivem apenas no vazio de suas próprias mentes,
Único lugar onde eles teem algum poder.

Tuberculosos, bêbados ou drogados, no século passado
Os românticos atuais são suas imitações baratas.
O romântico ama e nunca pode ser amado.
O romantismo é o anzol das mulheres ingratas.

Discípulos de Platão, negadores da realidade,
Caixões vazios enterrados no céu azul sangrento -
Isso é ser romântico - o resto é só vaidade.
O romantismo dita os versos que invento.

sábado, 22 de outubro de 2011

Novo Rumo

Quando o olhar distante,
Finalmente,
Traz a resposta
Da difícil pergunta apresentada
E nos mostra
A direção a seguir
É esta a verdadeira hora de partir...

...E traçar um novo rumo.


Não fique parado tentando ser bom
Corra, caia, levante e seja muito melhor.

Tome o seu caminho e corra,
Corra até cansar e cair
E descansar
E levantar
E sacudir
A poeira
E respirar fundo
E correr novamente
Até ter em sua frente
O que deseja,
onde quer que esteja!!!

A tristeza
É a mala mais pesada,
Dizem que sabe o povo.
Toma o teu sabre tolo
E toma o que é teu,
Com o poder 
Que o seu
Deus te deu.


- Tão simples assim?
 Sim!

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Barganha Poética

Ah, belo astro de luz insuperável,
Toma-me com o teu calor vivificante,
Faz a minha vontade implacável
Brilhar como o seu semblante.

Magnífico astro imponente e sisudo,
Taga até mim teus raios epifânicos
Com o poder de revelar quase tudo,
Separe todos os maus e inflame-os.

Aqueça o ar que me enche os pulmões,
Conduza-me na direção certa de andar
E livre meu pobre barquinho dos furacões
Que aqui, acolá, insiste em nos açoitar.

Livra-me da cegueira involuntária,
Mal de todo sempre velho romântico!
Esta poesia não era para ser hilária!
Traz-me alguém em troca deste cântico!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Amores Reais (Versos Doloridos)

A verdadeira bondade
Somente priva da liberdade
Quem já não tem onde agarrar-se.

O amante perfeito,
Que ama de qualquer jeito,
Não enxerga defeito.
Leva sempre o amor preso no peito,
Não isolada ao seu lado.

Privar alguém da liberdade é o maior pecado.

As paixões que machucam os corações
Não passam de dolorosas ilusões.

O perdão...
Pode ser apenas fraqueza de opinião.

Encontrar no mundo um só sentimento verdadeiro,
Não apenas uma farsa ou mais um duro cativeiro
É como procurar um alfinete neste mundo inteiro.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Letras Verdes

Repentinamente acordei...
Sonhei com um belo anjo.
Diante dele me ajoelhei,
Guardei na mente seu arranjo.

Era a visão mais perfeita
O seu belo corpo parte nú.
Parecia que ela era feita
Numa quimera ao céu azul.

E disse estas palavras:
"Estou aqui para protegê-lo
Das suas paixões malvadas,
trazer-te um pouco de zelo.

"Sou a inocência que chora;
Sou um espírito de puro amor.
Estou aqui com você agora,
Vou ajudá-lo a livrar-se da dor."

E dizendo palavras tais
Tomou conta do meu coração.
Fê-lo bater em espaços iguais
De tempo, evitando explosão.

E então, eu chorei.
Chorei como nunca antes.
Por que chorava? Não sei...
Alegrias, coisas marcantes...

Banhado em lágrimas, soluçava.
E o meu anjo a me olhar.
Onde será que ela estava
Antes de vir me encontrar?

E então, ele perguntou:
"Agora você sente-se melhor?"
- Bem, a minha dor passou!
"Então, agora vem o pior."

Num piscar de olhos ligeiros
O meu anjo foi-se, embora
Meus agradecimentos lisonjeiros
Estivessem saindo na hora.

Mas, então, vi na parede,
Uma grande frase de fora a fora.
A perfeita caligrafia dizia em verde:
"A vida recomeça a toda hora!!"

O Corvo (The Raven) por Machado de Assis e Fernando Pessoa

Tradução de Machado de Assis:

Em certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho,
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."

Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora.
E que ninguém chamará mais.

E o rumor triste, vago, brando
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido,
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito,
Levantei-me de pronto, e: "Com efeito,
(Disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."

Minh'alma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós, — ou senhor ou senhora,
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso
Batestes, não fui logo, prestemente,
Certificar-me que aí estais."
Disse; a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.

Com longo olhar escruto a sombra,
Que me amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta;
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu, como um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.

Entro co'a alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Alguma cousa que sussurra. Abramos,
Eia, fora o temor, eia, vejamos
A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso,
Obra do vento e nada mais."

Abro a janela, e de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto,
Movendo no ar as suas negras alas,
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.

Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo, — o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "O tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais;
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o corvo disse: "Nunca mais".

Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que lhe eu fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Cousa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é seu nome: "Nunca mais".

No entanto, o corvo solitário
Não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda a sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma,
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
Tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora."
E o corvo disse: "Nunca mais!"

Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
Que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: "Nunca mais".

Segunda vez, nesse momento,
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rudo;
E mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera
Achar procuro a lúgubre quimera,
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais".

Assim posto, devaneando,
Meditando, conjeturando,
Não lhe falava mais; mas, se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava.
Conjeturando fui, tranqüilo a gosto,
Com a cabeça no macio encosto
Onde os raios da lâmpada caíam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se esparzem mais.

Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso,
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível;
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."
E o corvo disse: "Nunca mais".

“Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o corvo disse: "Nunca mais".

“Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No éden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais,
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!”
E o corvo disse: "Nunca mais."

“Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa! clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fique no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua.
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o corvo disse: "Nunca mais".

E o corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e, fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!


 Tradução de Fernando Pessoa:

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
                 É só isto, e nada mais".

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
                 Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
                 É só isto, e nada mais".

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
                 Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais —
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
                 Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
                 "É o vento, e nada mais."

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
                 Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
                 Disse o corvo, "Nunca mais".

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
                 Com o nome "Nunca mais".

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos — mortais
Todos — todos já se foram. Amanhã também te vais".
                 Disse o corvo, "Nunca mais".

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
                 Era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
                 Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
                 Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
                 Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta — ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
                 Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta — ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
                 Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
                 Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
                 Libertar-se-á... nunca mais!

Lar Sem Muros

A tristeza é minha maior fonte de inspiração.
Palavras dançam quando me aperta o coração.
A felicidade, ilusão, nunca me incomoda à porta,
A esperar, não sei como o meu corpo suporta.

O meu lar sem muros nunca pôde ser pichado.
O vento é o dono de tudo o que tenho alugado.
Meu coração vazio bate e bate e bate entorpecido
Quando a ressaca não me deixa totalmente fudido.

Minhas veias doem, falta calor neste sangue sem cor.
O desejo de extinção segue-me para onde eu for
E meus únicos remédios são-me sempre negados.
Escrever é o que tenho para pagar meus pecados.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Misteriosas Paisagens

As misteriosas paisagens são as mais encantadoras.
A lua, nosso grande astro das noites mais promissoras,
Nem toda noite está lá, a emitir o seu brilho vulgar.
Um dia cheia, minguando até a nova lua que crescerá,
Que esconde eternamente um lado aos olhos do chão,
É a rainha do mórbido e do amante, do doente e do são.

Temos de andar vestidos na revelante e relevante luz,
A escuridão permite-nos a liberdade, ficarmos nus.
No escuro encontra abrigo a presa exitada e atenta.
No escuro Deus se revela e o Diabo, infeliz, atenta,
O precavido treme e infarta e o artista inventa.

sábado, 1 de outubro de 2011

Oração dos Internautas

Deus, por favor, ouça esta oração:
Livra-nos da queda em nossa conexão;
Do erros bobos em nossos downloads;
... Dos spans e das falhas nos modens.

Fazei a gata que estou teclando responder;
Impeça que ela encontre algo melhor para fazer.
Permita-nos um encontro perfeito em pessoa;
Permita também que ela seja muito boa (pessoa).

Livra-nos dos trojans, malwares e outros nomes;
Fazei com que o meu crack funcione;
Permita-nos usar a rede mundial para o bem;
Faça com que ela nos dê algum lucro também.
AMÉM!!!!

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Mais males mais uma vez


A mente humana é um grande salão
Onde o Deus e o Demônio se olham,
Sem ligar para nenhuma opinião,
Apertam suas mãos, e se abraçam.

No seu reino, nossa imesa natureza,
Eles disputam selvagemente migalhas,
Um resto de alguma destruída beleza,
Pois, toda disputa tem suas falhas.

Em toda guerra que se é realizada
Sempre perdemos parte do desejado.
Numa batalha eternamente travada
Acabam todos cansados e frustrados.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O Mal

O mal sempre está por trás do olhar.
Este olhar é sempre mal intecionado,
Um dedo aleatório procurando o culpado,
Seja por qualquer motivo, para acusar.

Mal faz idéia, aquele que faz o mal,
Do todo mal que ele faz a si próprio.
A maldade é a mãe do medo e do ódio,
Animal que se reproduz de forma oral.

O pior no ser Humano é ser desumano,
Todos somos vítimas do mesmo acaso.
Uns pensam que todo mal é só atraso,
Outros pensam que estão se adiantando.

O mal, ao nos afetar, lembra-nos do bem.
Quem não faz o bem esperando um retorno?
Ser bom é, apenas, uma forma de suborno,
A bondade é para as horas que se convém.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Tempo Para Pensar

O tempo passa.
Passa o tempo.
O passatempo...
O tempo passa, novamente,
O tempo, hoje, está quente.

Comumente, o tempo todo vai e vem, passando,
Com a ansiedade, os pensamentos vai ditando,
Atormentando o pensar que anseia.
Reação em cadeia que desencadeia,
Sem limites, rumo ao horizonte,
Como a jorrar de alguma fonte.

Fonte infinta de alegria,
E de tédio, noite ou dia,
E ácido corrosivo
Carcomendo osso.
Tudo é tempo.
Tempo é tudo.

Mal, bem.
Vai, vem.
 Fica.

Fica?

Como assim?
Isso, assim?

Onde o tempo pára?
Onde o barulho cala?
Onde o silencio é interrompido,
Ou você vê-se finalmente falido?

O tempo, o tempo todo, não passa de uma mentira.
O tempo passa, está aqui e lá, ninguém o adimira.
O tempo é o tempo o tempo todo.
O tempo é tudo, é o tempo todo.

As coisas mudam ao passar do tempo.
Quando o tempo passa muda o vento.
E tempo vai, e tempo volta.
O tempo me anima, revolta,
O tempo todo.
Todo o tempo.
Todo tempo.

Dá um tempo,
Tempo!

Sobre os Amigos

Assim como não se passa pela vida sem se fazer amigos,
Não devemos esquecer dos nossos queridos inimigos.
O amigo sempre está alí para mostrar o que se tem de bom.
Os inimigos nos mostram nossa ultilidade, afloram o nosso dom.

Fazer amigos faz-nos sentir um pouco mais de alegria.
Se podéssemos, faríamos amigos uma vez por dia.
A inimizade põe a prova as nossas próprias opiniões,
É só abrir a boca que quem pensa logo atrai milhões.

Ainda melhor é quando uns passam de um para outro lado.
Há sempre quem mostre que você está sendo enganado.
Há amigos apenas a ocupar-nos o nosso tempo precioso.
Há inimigos que iluminam nossa frente em um caminho duvidoso.

E o que, ou quem, os verdadeiros amigos ou inimigos são?
Talvez seja, tudo isso, apenas uma simples questão de opinião.
Às vezes, há amigos que nos enchem, inimigos que nos animam,
Assim como coisas bonitas hora abusam, ou as feias facinam.

Amigos, inimigos... categorias para classificar as pessoas...
Sei lá, eu não consigo ver as pessoas como ruins ou boas,
São apenas humanas, com anseios, necessidades, outras mentes.
Podemos condenar alguém por pensar de formas diferentes?

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Soneto à Vida

As alegrias da vida veem sempre de fora.
São os amigos que nos compreendem,
São os amores quem vem e vão, sem hora,
São as dificuldade que aqui, alí nos surpreendem.

Viver é, acima de tudo, sentir-se realizado.
É superar cada barreira como se fosse a primeira,
É animar-se ao sentir-se totalmente frustrado,
É fazer da sua vida uma verdadeira guerreira.

Vivemos quando temos a coragem de acordar.
Vivemos quando não nos impede o medo de amar.
Vivemos quando revelamos algum segredo.

Deixamos de viver quando banalizamos a vida
E deixamos tudo passar por nossa alma ferida.
Aí, merecemos morrer um pouco mais cedo.

Do Amigo

“Um só me assedia sempre excessivamente (assim pensa o solitário). Um sempre acaba por fazer dois!”
“Eu e Mim estão sempre em conversações incessantes. Como se poderia suportar isto se não houvesse um amigo?
Para o solitário o amigo é sempre o terceiro; o terceiro é a válvula que impede a conservação dos outros dois de se abismarem nas profundidades.
Ai! Existem demasiadas profundidades para todos os solitários. Por isso aspiram a um amigo e à sua altura.
A nossa fé nos outros revela aquilo que desejaríamos crer em nós mesmos. O nosso desejo de um amigo é o nosso delator.
E freqüentemente, como a amizade, apenas se quer saltar por cima da inveja. E freqüentemente atacamos e criamos inimigos para ocultar que nós mesmos somos atacáveis.
“Sê ao menos meu inimigo!” — Assim, fala o verdadeiro respeito, o que se não atreve a solicitar a amizade.
Se se quiser ter um amigo, é preciso também guerrear por ele; e para guerrear é mister poder ser inimigo.
É preciso honrar no amigo o inimigo. Podes aproximar-te do teu amigo sem passar para o seu bando?
No amigo deve ver-se o melhor inimigo. Deves ser a glória do teu amigo, entregares-te a ele tal qual és? Pois é por isso que te manda para o demônio!
O que se não recata, escandaliza. “Deveis temer a mudez! Sim; se fosseis deuses, então poderíeis einvergonhar-vos dos vossos vestidos”.
Nunca te adornarás demais para o teu amigo, porque deves ser para ele uma seta e também um anelo para o Super-homem.
Já viste dormir o teu amigo para saberes como és? Qual é, então, a cara do teu amigo? É a tua própria cara num espelho tosco e imperfeito.
Já viste dormir o teu amigo? Não te assombrou o seu aspecto? Ó! meu amigo; o homem deve ser superado!
O amigo deve ser mestre na adivinhação e no silêncio: não deves querer ver tudo. O teu sono deve revelar-te o que faz o teu amigo durante a vigília.
Seja a tua compaixão uma adivinhação: é mister que, primeiro que tudo, saibas se o teu amigo quer compaixão.
Talvez em ti lhe agradem os olhos altivos e a contemplação da eternidade.
Oculte-se a compaixão com o amigo sob uma rude certeza.
Serás tu para o teu amigo ar puro e soledade, pão e medicina? Há quem não possa desatar as suas próprias cadeias, e todavia seja salvador do amigo.
És escravo? Então não podes ser amigo.
És tirano? Então não podes ter amigos.
Há demasiado tempo que se ocultavam na mulher um escravo e um tirano. Por isso a mulher ainda não é capaz de amizade; apenas conhece o amor.
No amor da mulher há injustiça e cegueira para tudo quanto não ama. E mesmo o amor, reflexo da mulher, oculta sempre, a par da luz, a surpresa, o raio da noite.
A mulher ainda não é capaz de amizade: as mulheres continuam sendo gatas e pássaros. Ou, melhor, vacas.
A mulher ainda não é capaz de amizade. Mas dizei-me vós homens: qual de vós outros é, porventura, capaz de amizade?
Ai, homens! que pobreza e avareza a da vossa alma! Quando vós outros dais a vossos amigos eu quero dar também aos meus inimigos sem me tornar mais pobre por isso.
Haja camaradagem. Haja amizade.”
Assim falava Zaratustra.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Capítulo 11 - Tao Te Ching

Trinta raios convergem para o meio de uma roda
Mas é o buraco em que entra o eixo que a torna útil.
Molda-se o barro para fazer um vaso;
É o espaço dentro dele que o torna útil.
Talhas portas e janelas para um quarto;
São os buracos que as tornam úteis.

Por isso, a vantagem do que está lá
Assenta exclusivamente
na utilidade do que lá não está.
(Fonte: wikipedia)

terça-feira, 31 de maio de 2011

Respeito

Cada um faz aquilo que pode com aquilo que tem.
Cada qual vive de acordo com aquilo que o convém.
O sentimento retribuído é o eterno concorrente do desdém.
Fazer o bem, às vezes, faz mal; fazer o mal, às vezes, faz bem.
União requer igualdade, mas os opostos se atraem.
E que atire a primeira pedra quem nunca pec... AAIIIIII!!!!!!
Mas que merda, foi quem?!
Ops, foi mal, AMÉM!

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Sobre a Vida

"Tudo aquilo que se fala mais,
É sempre o que menos se faz!"
Disse uma vez certo amigo,
Descrente da vida a falar comigo.

"Quando buscamos muito amor,
Não amamos, provocamos dor."
Dizia ele com toda a sua convicção.
Acho que ele sentia falta de um perdão.

Porém, não penso que ele estivesse errado.
É claro, seria melhor se ele não tivesse falado.
Tem-se nisso uma certa razão inesplicável.
Mas nem todo mudo no mundo é um ser amável.

Preocupa-me que as pessoas pensem assim.
Muitos somos enganados a todos os dias, sim,
Mas muitos, também, oferecem a outra face.
Melhor seria se o amor não existisse ou acabasse.

Nada neste mundo é recíproco, tudo é barganha.
Nunca se retorna exatamente o quanto se ganha.
Mas estamos deixando de amar, de verdade.
Trocamos o amor ao próximo pela própria vaidade.

Tememos o que nos traz algum forte sentimento.
Arrepia-nos pensar no fim e no póstumo lamento.
De tanto pensar, estamos deixando de sentir.
Morremos asfixiados em casa com medo de sair.

Hoje  o indivíduo já não é mais do que uma formiga.
Pensar por si só é, para muitos, fonte de intriga.
Só pensando por nós mesmos somos capazes de amar.
O amor não é do que teme, e sim do que o suportar.

O amor verdadeiro não tem boa ou má vontade.
Amar é ter um compromisso com a verdade.
Só sendo verdadeiro podemos dar amor.
Apenas a mentira pode causar a dor.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Sobre as Ondas

O coração é como um barco a navegar.
Precisa de um guia no amor, imenso mar;
Tem o dever de ir a diferentes lugares,
É a sua utilidade, mesmo em mãos vulgares;
Tem de apontar para o novo destino sonhado
E temer apenas ficar na terra, encalhado.

Não tema a dor do balançar das ondas, minha bela,
Pois só no fundo do mar estamos livres dela.

É mais bonito o mar do amor do que a terra do desdém.
Procure encher o seu barco com aquilo que lhe faz bem.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Antes que Seja Tarde

Cada passo dado durante dia
Ecoa, mais tarde, na noite fria.

Mostra-nos a palavra não dita.
Deixam algumas mentes aflitas
Com o que podia e não aconteceu.

E eu, prefiro mesmo é correr
Para, no fim do dia, não ter
Que, frustrado, dizer
Que não deu.
Só quero a chance de poder
desfrutar tudo o que é meu.

Tome aquilo que é seu
Antes de perder.

Quadrilha



João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Soneto à beleza

Vou falar de uma bênção da natureza,
Da dádiva que vem para roubar
O foco e a atenção do nosso olhar.
Quero falar da deslumbrante beleza.

É ela o prêmio da conquista;
O mais valioso tesouro da batalha;
É o gume separador da fria navalha;
A fonte de inspiração do artista.

É o polo magnético que indica a direção.
Está na realidade ilusória de imaginação.
A escuridão misteriosa, tranquila e assustadora.

Também é a violência do inocente.
Está nos olhos do que vê ou do que mente.
É a força da destruição, sutil e inovadora.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Memórias de um Solitário

Que paradoxo era ele.
E que defeito era aquele?!
Era algo de humilhar
Ele não saber abraçar.
Como podia ser amado?
Alguém ficaria ao seu lado?

Sempre acontecia,
Como testemunhei um dia,
De alguém dele se encantar.
Porém, ele sabia o que esperar.
Sentia bem perto o fracasso:
A hora do abraço.

O que havia de errado?
Tinha o corpo bem formado.
Nada nele faltava.
Nada nele excedia.
Era gentil, correto, exemplar.
E não sabia abraçar.

Por isso todos o evitavam.
Mas eles não o odiavam.
Possuia uma beleza singular,
Pureza e profundidade no olhar.
Só não sabia abraçar, infeliz.
Amar foi o que sempre quis.

Sua dor crescia ainda mais no peito.
"Como corrigir tal defeito?"
Ficava a se perguntar.
Com todo empenho tentou concertar
O erro, a destruição da sua vida
E deixar fluir a paixão reprimida.

Já um ano, gasto em vão,
Pôde admirar a solução:
"Mal chego a abraçar alguém direito
E já se nota o meu defeito!
Todos os outros, ao fazê-lo,
Vão pelo lado direito, não o esquerdo!"

Que burrice!!
Tudo resumido a esta tolice.
"Sempre abraçava do lado errado.
Estava tudo acabado.
Que animalzinho mais imbecil!"
E reenviou-se à Puta Que o Pariu.
15\06\2009

História de um Brâmane

Encontrei nas minhas viagens um velho brâmane, homem bastante sábio, cheio de espírito e erudição;. de resto, era rico, e por isso mesmo ainda mais sábio; pois, como nada lhe faltasse, não tinha necessidade de enganar a ninguém. Seu lar era muito bem governado por três belas mulheres que porfiavam em agradar-lhe; e, quando não se divertia com elas, ocupava-se em filosofar.
          Perto de sua casa, que era bonita, bem ornamentada e cercada de encantadores jardins, morava uma velha hindu carola, imbecil e muito pobre.
          — Quem me dera não ter nascido! – disse-me um dia o brâmane. Perguntei-lhe por quê. – Há quarenta anos que estudo – respondeu-me – e são quarenta anos perdidos: ensino aos outros, e ignoro tudo; esse estado me enche a alma de tal humilhação e desgosto, que me torna a vida insuportável. Nasci, vivo no tempo, e não sei o que é o tempo; acho-me num ponto entre duas eternidades, como dizem os nossos sábios, e não tenho a mínima idéia da eternidade. Sou composto de matéria, penso, e nunca pude saber por que coisa é produzido o pensamento; ignoro se o meu entendimento é em mim uma simples faculdade, como a de marchar, de digerir, e se penso com a minha cabeça como seguro com as minhas mãos. Não só o princípio de meu pensamento me é desconhecido, mas também o princípio de meus movimentos: não sei por que existo. No entanto, cada dia me fazem perguntas sobre todos esses pontos; é preciso responder; nada tenho que preste para lhes comunicar; falo bastante, e fico confuso e envergonhado de mim mesmo após haver falado.
          O pior é quando me perguntam se Brama foi produzido por Vixnu, ou se ambos são eternos. Deus é testemunha de que nada sei a respeito, o que bem se vê pelas minhas respostas. “Ah! meu reverendo – imploram-me, – dizei-me como é que o mal inunda toda a terra”. Sinto-me nas mesmas dificuldades que aqueles que me fazem tal pergunta: digo-lhes algumas vezes que tudo vai o melhor possível; mas aqueles que ficaram arruinados ou mutilados na guerra não acreditam nisso, nem eu tampouco: retiro-me acabrunhado da sua curiosidade e da minha ignorância. Vou consultar nossos antigos livros, e estes duplicam as minhas trevas. Vou consultar meus companheiros: respondem-me uns que o essencial é gozar a vida e zombar dos homens; outros julgam saber alguma coisa, e perdem-se em divagações; tudo concorre para aumentar o doloroso sentimento que me domina. Sinto-me às vezes à borda do desespero, quando penso que, após todas as minhas pesquisas, não sei nem de onde venho, nem o que sou, nem para onde vou, nem o que me tornarei”
          O estado desse excelente homem me causou verdadeira pena: ninguém tinha mais senso e boa-fé. Compreendi que, quanto mais luzes havia no seu entendimento a mais sensibilidade no seu coração, mais infeliz era ele.
          Vi, no mesmo dia, a velha sua vizinha: perguntei-lhe se alguma vez se afligira por saber como era a sua alma. Nem chegou a entender minha pergunta: nunca na sua vida refletira um momento sobre um só dos pontos que atormentavam o brâmane; acreditava de todo o coração nas metamorfoses de Vixnu e, desde que algumas vezes pudesse conseguir água do Ganges para se lavar, julgava-se a mais feliz das mulheres.
          Impressionado com a felicidade daquela pobre criatura, voltei a meu filósofo e disse-lhe:
          — Não te envergonhas de ser infeliz, quando mora à tua porta um velho autômato que não pensa em nada e vive contente?
          — Tens razão – respondeu-me ele; – mil vezes disse comigo que seria feliz se fosse tão tolo como a minha vizinha, e no entanto não desejaria tal felicidade.
          Essa resposta me causou maior impressão que tudo o mais; consultei minha consciência e vi que na verdade também não desejaria ser feliz sob a condição de ser imbecil.
          Expus a questão a filósofos, e eles foram da minha opinião. “No entanto – dizia eu, – há uma terrível contradição nessa maneira de pensar”. Pois de que se trata, afinal? De ser feliz. Que importa, pois, ter espírito ou ser tolo? Mais ainda: aqueles que estão contentes consigo estão bem certos de estar contentes; mas aqueles que raciocinam não se acham tão certos de bem raciocinar. “É claro – dizia eu – que se deveria preferir não ter senso-comum, uma vez que este contribua, o mínimo que seja, para o nosso mal-estar.” Todos foram de minha opinião, e todavia não encontrei ninguém que quisesse aceitar o pacto de se tornar imbecil para andar contente. Donde concluí que, se muito nos importamos com a felicidade, mais ainda nos importamos com a razão.
          Mas, refletindo bem, parece uma insensatez preferir a razão à felicidade. Como se explica, pois, tal contradição? Como todas as outras. Aí há muito de que falar.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Sobre a Crítica

Criticar.
Qual o verdadeiro sentido da crítica?
Entendo a crítica tanto quanto entendo...
Sei lá.


As vezes rendo-me a idéias alheias sobre o tema.
Wilde disse que toda a crítica
é uma forma de autobiografia.


Toda a crítica reflete
a insatisfação do próprio crítico.
Todos criticamos e julgamos
pois a ninguém coube ser perfeito.


A crítica, as vezes, vem disfarçada.


Alguns tem até o verdadeiro desejo
de ajudar o criticado.


Porém, é um tanto estranho,
a mim, ao menos,
criticar ou ouvir uma crítica.
Quem poderia conhecer alguém melhor
do que a si próprio.
Ter-se-ia que ser muito estúpido.


Sei que, para criticar,
temos que acreditar.
Mas, a crença, é uma faca de dois gumes.
Uma moeda com duas faces.
O bem e o mal disputam cada passo do crente.


A confusão da discórdia, a Éris grega,
nos torna criativos, todo artista é confuso.
Quem está confuso não critica,
ou, logicamente, não deveria.
O confuso tende a perder tempo
fazendo o que ainda não foi feito.


A crítica vale tanto quanto o crítico
e o crítico vale tanto quanto
aquilo que pensa.
Esta sim, talvez, seja uma certeza.
Por isso eu adoro as críticas.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Assim Falou Zaratustra

DAS TRÊS TRANSFORMAÇÕES

“Três transformações do espírito vos menciono: como o espírito se muda em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança.

Há muitas coisas pesadas para o espírito, para o espírito forte e sólido, respeitável. A força deste espírito está bradando por coisas pesadas, e das mais pesadas.

Há o que quer que seja pesado? — pergunta o espírito sólido. E ajoelha-se como camelo e quer que o carreguem bem. Que há mais pesado, heróis — pergunta o espírito sólido — a fim de eu o deitar sobre mim, para que a minha força se recreie?

Não será rebaixarmo-nos para o nosso orgulho padecer? Deixar brilhar a nossa loucura para zombarmos da nossa sensatez?

Ou será separarmo-nos da nossa causa quando ela celebra a sua vitória? Escalar altos montes para tentar o que nos tenta?

Ou será sustentarmo-nos com bolotas e erva do conhecimento e padecer fome na alma por causa da verdade?

Ou será estar enfermo e despedir a consoladores e travar amizade com surdos que nunca ouvem o que queremos?

Ou será submerjirmo-nos em água suja quando é a água da verdade, e não afastarmos de nós as frias rãs e os quentes sapos?

Ou será amar os que nos desprezam e estender a mão ao fantasma quando nos quer assustar?

O espírito sólido sobrecarrega-se de todas estas coisas pesadíssimas; e à semelhança do camelo que corre carregado pelo deserto, assim ele corre pelo seu deserto.

No deserto mais solitário, porém, se efetua a segunda transformação: o espírito torna-se leão; quer conquistar a liberdade e ser senhor no seu próprio deserto.

Procura então o seu último senhor, quer ser seu inimigo e de seus dias; quer lutar pela vitória com o grande dragão.

Qual é o grande dragão a que o espírito já não quer chamar Deus, nem senhor?

“Tu deves”, assim se chama o grande dragão; mas o espírito do leão diz: “Eu quero”.

O “tu deves” está postado no seu caminho, como animal escamoso de áureo fulgor; e em cada uma das suas escamas brilha em douradas letras: “Tu deves!”

Valores milenários brilham nessas escamas, e o mais poderoso de todos os dragões fala assim:

“Em mim brilha o valor de todas as coisas”.

“Todos os valores foram já criados, e eu sou todos os valores criados. Para o futuro não deve existir o “eu quero!” Assim falou o dragão.

Meus irmãos, que falta faz o leão no espírito? Não bastará a besta de carga que abdica e venera?

Criar valores novos é coisa que o leão ainda não pode; mas criar uma liberdade para a nova criação, isso pode-o o poder do leão.

Para criar a liberdade e um santo NÃO, mesmo perante o dever; para isso, meus irmãos, é preciso o leão.

Conquistar o direito de criar novos valores é a mais terrível apropriação aos olhos de um espírito sólido e respeitoso. Para ele isto é uma verdadeira rapina e coisa própria de um animal rapace.

Como o mais santo, amou em seu tempo o “tu deves” e agora tem que ver a ilusão e arbitrariedade até no mais santo, a fim de conquistar a liberdade à custa do seu amor. É preciso um leão para esse feito.

Dizei-me, porém, irmãos: que poderá a criança fazer que não haja podido fazer o leão? Para que será preciso que o altivo leão se mude em criança?

A criança é a inocência, e o esquecimento, um novo começar, um brinquedo, uma roda que gira sobre si, um movimento, uma santa afirmação.

Sim; para o jogo da criação, meus irmãos, é preciso uma santa afirmação: o espírito quer agora a sua vontade, o que perdeu o mundo quer alcançar o seu mundo.

Três transformações do espírito vos mencionei: como o espírito se transformava em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança”.

Assim falava Zaratustra. E nesse tempo residia na cidade que se chama “Vaca Malhada”.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Fim da Adolescência

Sonhei que um dia estava a sonhar.
No meu sonho, dentro deste sonho,
Podia ver todo mundo sonhando
E todos os sonhos flutuando no ar.
Era a visão mais deslumbrante
Todos os sonhos flutuantes
E tudo e todos a voar.

Enquanto sonhava percebia,
Sempre, ao procurar outro sonho,
Que nehum igual ao meu existia.
Aí o sonho ficou medonho.
Entre todos os que ali sonhavam,
de todos os sonhos que voavam,
Só eu sonhava estar num sonho.

O meu coração palpitou aflito,
Atordoado, nem queria palitar.
Também, sonhozinho esquisito:
Sonhar com os outros a sonhar!

Por que ninguém alí podia
Estar sonhando que sonhava?
Vi que não podia explicar.

Era um terrível pesadelo.
Fiquei em completo desespero -
Ah, não passa de exagero!
Estava a sonhar.

E então, o sonho acabou.
belo susto minha mente pregou.
Mas, sonhos dos outros,
Nunca mais mostrou.

17/11/2007

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Budismo Moderno

Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!

O Amor e o Prazer

O amor e o prazer são inimigos inseparáveis.
São a felicidade dos ricos, medianos e miseráveis.
Constroem ou derrubam os mais belos castelos.
Não enxergam bons ou maus, feios ou belos.

O amor é o alento, a ilusão inspiradora.
O prazer é o instinto, a vida, o agora.
O amor deve sempre ser bem distribuído.
O melhor prazer sempre é bem escondido.

Se o amor e o prazer separam-se,
Vida e alegria tornam-se
Dúvida e nostalgia.

Quando está apenas o amor,
O amante só sente a dor.

Se está apenas o prazer,
Quem o procura, quer esconder
a dor de ter vivido sem, necessariamente, viver.

A vida é sempre uma surpresa.
Quem busca amar é o caçador
E, ter prazer,
A presa.

Amor verdadeiro é privilégio dos libertos.
O prazer traiçoeiro é a culpa dos incertos.

Quem quer apenas amar
Não pode dar prazer.
Que quer apenas dar prazer
Nã pode amar.

Divino Dinheiro

Bendito seja o teu nome
Aqui e no mundo inteiro,
Oh, pai de todos os deuses,
Nosso onipotente Dinheiro!

Tú és a nossa razão de viver;
És a força, o nosso alimento;
Nos mostra o que devemos ser;
És a dor e a alegria, todo o sentimento.

És tú o unico que nos liberta.
És a nossa sabedoria aplicada,
Nossa desculpa, o nosso alerta
Na hora do tudo ou nada de cada.

Abençoa-nos com a tua segurança,
Expulse-nos o mal, traga-nos o bem,
Dai-nos abrigo, fé, amigos, confiança,
Dai-nos tudo e mais um extrazinho, Amém!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Silêncio



Fábula
"O cimo da montanha dormita;           .
vales, rochedos e grutas emudecem." 
Alcman.

 ESCUTA - disse o Demônio, pondo a mão sobre minha cabeça. -
A região de que falo é uma lúgubre região da Líbia, às margens
do rio Zaire e ali não há repouso nem silêncio.
"As águas do rio são amarelas e insalubres e não correm para o
mar, mas palpitam eternamente, sob o rubro olhar do sol, em
movimentos tumultuosos e convulsivos. Por muitas milhas, de cada
lado do leito lamacento do rio, estende-se um pálido deserto de
gigantescos nenúfares, que suspiram, um para o outro, naquela
solidão e erguem para o céu os longos colos lívidos, meneando as
frontes imortais. E dentre eles se evoca um murmúrio indistinto,
semelhante ao rolar de uma torrente subterrânea. E um para o outro
eles suspiram.
"Mas há um limite para seu reino, o limite da floresta escura,
horrenda, enorme. Ali, como as ondas em torno das Hébridas, os
arbustos rasteiros agitam-se sem cessar. No céu, porém, não sopra
vento algum. E as altas árvores primitivas oscilam, eternamente,
para lá e para cá, com um rumor poderoso e estalidante, E dos seus
altos cimos, caem, uma a uma, as gotas de um sempiterno orvalho. E as
seus pés, estranhas flores venenosas jazem, estorcendo-se em agitado
sono. E nas alturas, zunem fortemente as nuvens plúmbeas, que correm
continuamente para o oeste, até rolarem, em cataratas, por cima da
muralha ardente do horizonte, E às margens do rio Zaire não há
repouso nem silêncio.
"Era noite e a chuva caía; e ao cair, era chuva, mas, ao
chegar ao chão, era sangue. E de pé, no paul, entre os altos
nenúfares, eu estava, enquanto a chuva caía sobre mim. E os
nenúfares suspiravam um para o outro, na solenidade de sua
desolação.
E, de-repente, através do fino e lívido nevoeiro, surgiu a
lua, toda carmesim, E meu olhar caiu sobre um rochedo enorme e
escuro, que se erguia à margem do rio, iluminado pela luz da lua.
E o rochedo era enorme e de um cinzento pálido. Pálido e cinzenta.
Letras estavam gravadas na superfície da pedra; caminhei através do
paul de nenúfares até à margem, para poder ler as letras gravadas
na pedra. Mas não pude decifrá-las. E ia regressar ao paul, quando
a lua brilhou ainda mais vermelha. Voltei-me e olhei de novo para
o rochedo, para as letras, que formavam a palavra DESOLAÇÃO.
"Ergui a vista e descobri um homem, de pé, no cume do
rochedo; ocultei-me entre os nenúfares, a-fim-de poder ver os
movimentos do homem. Ele era alto, de porte imponente, e
envolvia-se, dos homem. Ele era alto, de porte imponente, e
envolvia-se, dos ombros aos pés, numa toga romana. Os traços de
seu rosto eram indistintos, mas suas feições eram as de uma
divindade; pois luziam mesmo através do manto da noite, da névoa,
da luz e do sereno. Erguia o cenho, pensativamente, e seu olhar
ardia de preocupação; e nas poucas rugas que lhes sulcavam as
faces, eu lia as legendas de tristeza, de fadiga e de desgosto
pela humanidade, e o amor ansioso da solidão.
"E o homem sentou-se sobre o rochedo, pousou a cabeça na
mão e contemplou meditativamente a soledade. Mergulhou a vista
nos arbustos rasteiros e inquietos e elevou-a às altas árvores
primitivas e, mais alto ainda, até ao céu rumorejante e à lua
avermelhada. E escondido em meio aos nenúfares, seguia eu os
movimentos do homem. E o homem tremia na solidão; mas a noite
avançava e ele permanecia sentado no rochedo.
"E o homem desviou depois sua atenção do céu e baixou a
vista sobre o lúgubre rio Zaire, sobre suas águas lívidas e
amarelas e sobre as legiões lúridas de nenúfares. E o homem
escutava os suspiros dos nenúfares e o murmúrio que deles se
evolava. E, bem oculto, espreitava eu as ações do homem. E o
homem tremia na solidão; mas a noite avançava e ele permanecia
sentado no rochedo.
"Depois desci para os recessos do paul, patinhando nas
brenhas de nenúfares e gritei pelos hipopótamos, que habitavam
nos lameiros mais fundos do pântano. E os hipopótamos ouviram
os meus gritos e vieram, com o behemoth (1), colocar-se no sopé
do rochedo, e à luz rugiram forte e pavorosamente. E, bem oculto,
espreitava eu as ações do homem. E o homem tremia na solidão;
mas a noite avançava e ele permanecia sentado no rochedo.
"Depois apostrofei os elementos, com maldições
tumultuosas; e uma terrível tempestade formou-se no céu, onde
antes não havia vento. E lívido se tornou o céu, com a
violência da tempestade. E a chuva golpeava a cabeça do homem;
e a água do rio corria escachoante, a espumejar de dor; e os
nenúfares gemiam nos leitos; e as florestas se despedaçavam ao
sopro do vento; e o trovão ribombava; e os raios caíam; e o
rochedo se abalava até a base. E, bem oculto, espreitavam eu
as ações do homem. E o homem tremia na solidão; mas a noite
avançava e ele permanecia sentado no rochedo.
"Encolerizei-me, então, e amaldiçoei, com a maldição
do silêncio, o rio, e os nenúfares, e o vento, e a floresta,
e o céu, e os trovão, e os gemidos dos nenúfares. E,
amaldiçoados, emudeceram. E a lua deixou de vaguear pela
estrada celeste. E o trovão morreu ao longe. O raio não mais
fulgurou. E as nuvens penderam imóveis. E as águas voltaram
ao seu nível e sossegaram. E as árvores cessaram de oscilar.
E os nenúfares não mais suspiraram. E não  mais se ouviu o
murmúrio que deles se evolava, ou qualquer sombra de som,
por toda a vastidão ilimitada do deserto. E ao contemplar
as letras gravadas no rochedo, vi que haviam mudado; lia-se
agora a palavra SILÊNCIO.
"E de novo volvi o olhar para o rosto do homem e seu
rosto estava lívido de terror. De-repente, ergueu a cabeça e
pôs-se de pé no rochedo à escuta. Mas nenhuma voz havia, por
toda a vastidão ilimitada do deserto. E as letras gravadas no
rochedo diziam silêncio. E o homem estremeceu, voltou o rosto
e pôs-se em fuga, precipitadamente; e nunca mais o tornei a ver."
  .....................................................
Ora, lindas história se encontram nos volumes dos Magos, nos
melancólicos volumes com fecho de ferro. Neles, afirmo, há
esplêndidas histórias do Céu e da Terra, e do mar poderoso; e
dos Gênios que governam o mar, e a terra, e os altos céus. Há
também muita ciência nas palavras proferidas pelas Sibilas; e
coisas sagradas se ouviam outrora, junto às folhas sombrias,
que tremiam em torno de Dodona; mas, considero, tão certo como
vive Alá, essa fábula que o Demônio me contou, sentado ao meu
lado, à sombra do túmulo, como a mais maravilhosa de todas! E
ao terminar o Demônio sua história, caiu dentro da cavidade do
sepulcro, às gargalhadas. E como eu não pudesse rir com o
Demônio, ele me amaldiçoou. E o lince, que vive eternamente no
sepulcro, saiu do seu fojo e deitou-se aos pés do Demônio,
encarando-o fixamente.

(1)  - Animal considerado como o hipopótamo do Nilo, e descrito no livro de Jó (XL 15-24) (Nota dos TT.)(Publicado pela primeira vez no BALTIMORE BOOK, em 1839)
    EDGAR A. POE